Entre bêbados e equilibristas na província dos pés inchados
Por Valter Alves de Oliveira Filho1
Histórias reais de homens comuns - entre o boteco, a solidão e o vício – que revelam a fragilidade da vida e a força escondida na rua.
Poderia eu, está de desfrute em feriados e até sorridente, no entanto, me deparo com situações que me remetem a reflexões e nuances de “O Confrontos” (Carol Fontan) que relata incômodos, quando os mesmos chegam as raias da ignorância e ou por falta de uma leitura holística ou superficial no meio midiático sem sustentação cientifica, observam como “aberração” o trato com os familiares; alcoólicos, alcóolatras e andarilhos. “... O que não tem juízo nem nunca terá?” (Chico Buarque).
Como explicar pessoas bem sucedidas na sua vida profissional e depois que finalizou a sua etapa extrema de trabalho se entrega a tipos comuns de vícios lícitos ou não? Dá para imaginar uma pessoas equilibrada que partiu por escolher um submundo que desconhecia? Crise Existencial? Charminho ou uma vida toda que foi meramente utilitário que veio a perceber que não viveu? Apenas passou pela vida...
Ao discutir essa ideia de prejulgamento no Senso Comum, temos aspectos que implicam determinados fatores da serventia Humana. O escritor, filósofo e advogado Franz Kafka, escreveu: “A Metamorfose”, metáfora que com brilhantismo, ele trata do “Ser utilitário”, e quando o mesmo “SER”, não é mais tido como ser integrante de uma sociedade dita proativa; virar um besouro que como cita Kafka, hoje é a negação dos valores que mudam a todo tempo e, se não está no contexto das pirâmides financeiras ou do controle de olheiros quando o mesmo não rende mais? Encosta. O aparelhamento midiático, de internação é validado como um “aparato de livramento”. Mas, vamos discutir em outro momento, o Existencialismo, a Fenomenologia e aprofundarmos na Epochè, a suspensão do Juízo.
Causos e Caso dos Provincianos “Pés Inchados”
Na leitura paradidática se faz necessário um aprofundamento do tema “A Suspensão do Juízo”, como citado no texto e, com isso separamos “o sujeito do objeto de estudo” ou fazer inferências que muitos de pouca leitura, tem colocado todos os casos no mesmo “balaio de impropérios”. Recebi de Carol Fontan, escritora que muito admiro, comentários sobre a forma suave e sem veneno de um tema que provoca a estudiosos das diversas áreas, e aqui desejamos compactar alguns casos corriqueiros dentro da ética e que podem servir aos olhares atentos para novos escritos de outros profissionais que possam colaborar e compartilhar conhecimento. Sob um olhar pragmático e em contato com alcoólicos e alcoólatras, não vi diferenças em personagens que, no texto apareceram apenas pelas iniciais dos seus nomes para preservar suas memórias pois a eles, a quem devo muito respeito aos que ficaram e aos que já partiram para a eternidade, e por me confiarem suas narrativas de vida. Abandonei por um tempo a sala de aula depois de um acidente automobilístico, mas antes disso uma sequência de episódios ruins e inesperados aconteceram: a morte do meu pai (um ano antes do meu acidente) e de um irmão assassinado, que me deixou atônito e arrancou de mim o senso de justiça. Outras questões que não merecem ser levantadas, me deixaram fora do ar pelo dito popular, “superar para não ser enterrado junto”, e realmente era o que estava acontecendo mas, foram nesses seres ``errantes`, que talvez tenha recebido tanta atenção, afeto, compaixão e daí, fez surgir dentro da minha pouca leitura, tratar de entrevistar e reconhecer a perplexidade dos problemas comuns de uma maioria e, outros mais complexos. Vamos separar aqui os termos de alcoolista e alcoólatras que, em uma relação dialógica pudemos coletar algumas narrativas de como chegaram a determinados, níveis de uso abusivo do álcool a ponto de chegar ao isolamento de familiares, esquecer o trabalho, ignorar as regras e Leis. Pontuando a nossa narrativa, conheci um Senhor de 67 anos, viúvo, aposentado que, já me conhecia pela voz já que era comunicador a época e também, conheceu meu pai um aposentado fanfarrão. O Senhor J.A.S., era um interlocutor de primeira dos demais, e nas caminhadas matinas que eu fazia, tinha que dar uma paradinha no “boteco da contramão ou do `Sr. Manoel” e, na cidade em que moro existe uma ponte que dá acesso a cidades circunvizinhas lá se reúnem todas as manhã o ajuntamento "dos pés inchados" como pejorativos são apelidados; esse primeiro personagem se titulava “homem de rua”, mesmo tendo familiares, sendo ele, avô e até bisavô, negava-se a morar com a família e passava o tempo todo na rua, vez ou outra buscava abrigo na “legião de superamigos”, e quando não era possível dormia ao relento nas calçadas da cidade. Me sensibilizei, e perguntei a ele o porquê da escolha? A resposta era simplificada, e sem muito discernimento me confessou: “– sou um homem de rua, Valter e não se assuste, se acaso eu amanhecer qualquer dia desses, morto para descansar de vez...” Entendi isso como uma despedida e realmente foi, pois uns vinte dias após, recebi a notícia que o mesmo havia sido encontrado na esquina próximo ao boteco no qual sempre o ouvia. Este senhor brincava com anedotas, era um expert em se comunicar pois apesar de estudar pouco para a época se mostrava uma pessoa atualizada sobre alguns assuntos do nosso cotidiano vigente.
Um caso, intrigante foi a morte súbita de um compadre, era um excelente pedreiro, não letrado mas, que causava admiração na comunidade em que nasci por ser extremamente uma referência na arte da construção, pintura e até leitura de plantas baixas, apresentadas por engenheiros recém-formados. O compadre C. B. S., filho de pais separados, vivenciou momentos difíceis com uma família numerosa, casou-se muito cedo, e foi pai de pelo menos 7 (digo) sete meninas, um cara digno, no entanto, por frustações que não conseguia transbordar em suas falas o percebi caindo em um isolamento. Separou-se da esposa e, em busca de novas aventuras terminou por abandonar a profissão e ir morar com a mãe idosa e problemática. Depois do álcool, alguns especulavam outro vícios, mas confesso nunca ter visto o uso de outros entorpecentes por ele. Faleceu, pela sua característica de “duro na queda”, citava que sentia instabilidade em sua saúde devido a problemas renais, transtornos de humor constantes, e falávamos sobre consultas periódicas ao médico do posto de saúde ou até Hospital da cidade, ele me respondia erroneamente “– médicos não sabem nada! Eu que sei o que me consome”. Assim, no dia do meu aniversário perdi o meu compadre, que muito me ajudou e trabalhou para a minha família toda. Aguardem as próximas experiências, com meninas também que começaram cedo, nessa vida e foram submersa e expostas a outras situações de vulnerabilidade.
Sobre o Cronista:
- Valter Alves de Oliveira Filho. Pedagogo, Pesquisador e Professor na Rede pública Municipal de Santana do Ipanema-AL.
Dedicatória: Carol Fontan (psicanalista, escritora e estudante de psicologia) Fernando Soares Campos (psicanalista e escritor) Victor Antunes Silva Oliveira (Estudante – Letras pela Universidade Estadual de Alagoas – Campus – Palmeira dos Índios-AL.