Muito se tem dito acerca do fundador de Santana do Ipanema. Várias hipóteses já foram delineadas, mas até o momento e dentro de tudo que já consegui observar, o assunto ainda continua, para alguns, sem uma definição real, peremptória, que não é o meu caso, visto que as robustas evidências por mim conseguidas apontam Martinho Vieira Rego como o mais provável.

Para elaboração do livro, Santana Conta Sua História, os irmãos Floro e Darci Araújo Melo promoveram extensa pesquisa e para se inteirarem sobre os primeiros habitantes de nossa terra se valeram de fontes advindas de antigos santanenses. No entanto, nos relatos captados “podem ser observadas incoerências com relação aos nomes e sobrenomes citados”, conforme foi mencionado na própria obra. Os dois escritores admitem discordâncias, quando uns afirmam que o primeiro homem a pisar nesta terra teria sido Martins Rodrigues Vieira; outros atribuem ser Martinho Rodrigues Gaia. Ainda há uma corrente que sustenta “a existência de Martinho Rodrigues Gaia e Martins Rodrigues Vieira, que eram irmãos.” Inclusive, na citada obra dos irmãos escritores, as inconsistências sobre o nome do fundador de Santana do Ipanema persistiram, porque ora é tratado como sendo Martinho Vieira Rego e Martinho Rodrigues Gaia (pag.21), bem como Martins Rodrigues Vieira e Martinho Rodrigues Vieira (pag.126). Tais imprecisões podem até serem compreensíveis, em função da exaustiva busca e da diversificação das fontes consultadas.

Prosseguindo, com relação às desconformidades citadas pelos diversos informantes, sobre os pretensos nomes atribuídos ao fundador, percebe-se que possíveis dúvidas podem ser admitidas, até porque em depoimento manuscrito de 12 laudas, deixado por Francisca Azevedo Pereira – Dona Sinhara, trineta de Martinho Vieira Rego – ela faz citações divergentes, na página inicial da narrativa, quando diz: “Alguns dados da história de Martinho Rodrigues Vieira”, para em seguida, acrescentar: “Foi Martins Vieira o primeiro dono desta terra de Santana do Ipanema, com muitas léguas de extensão.”

Assim sendo, aceito como correto o nome Martinho Vieira Rego, por conta de ser o que consta do único registro alcançado, relativo à escritura de compra da Fazenda Picada cujos detalhes, sobre ela, são mencionados em páginas seguintes. Ainda sobre o assunto, para melhor análise do leitor sobre as dúvidas surgidas entre as famílias Vieira Rego e Rodrigues Gaia, Dona Sinhara relata que Joaquim Rodrigues, primeiro filho de Martinho Vieira Rego, foi casado duas vezes. Teve vários filhos (dois dos quais da segunda família) e que se chamavam Metódio e Joaquim Gaia. Acrescenta, também, em outra parte do relatório: “Agora vem o terceiro irmão dos Rodrigues, Manoel Rodrigues. Morando nas Lajes dos Frades foi casado com Rita, uma senhora de outro lugar, que a chamavam de Rita Gorda, por ter engordado fora do comum. Tiveram muita família e vem daí a Família Gaia.” Desta forma, comprova-se que “os Gaia” são originários “dos Vieira Rego” , mas somente surgiram a partir da terceira geração do histórico familiar, que se verifica. Assim sendo, afirmo que minha concludência sobre o verdadeiro fundador foi fruto de uma acurada pesquisa, no entanto tenho consciência de que outras investigações podem ser feitas e novas conclusões podem ser alcançadas.

O trabalho dos irmãos Araújo Melo é uma peça muito importante, se for levado em conta que não havia, até então, algo perceptível dirigido exclusivamente à história de nossa terra. Em hipótese alguma poderia ser esperado algo mais apurado, porque não eram eles historiadores metodologicamente habilitados a cotejar fontes primárias e secundárias, nem detentores de documentos oficiais para obterem o objetivo colimado. Prevaleceram-se de narrativas orais proferidas por conterrâneos da mais alta dignidade sem, contudo, serem eles dotados de pendores voltados para o campo da fabulação. Inclusive, essas carências são absolutamente aceitáveis porque não havia, na época, os recursos tecnológicos existentes nos dias atuais.

Inclusive dados fornecidos pela historiadora Maria das Graças Feitosa Alves, em seu trabalho GENEALOGIA E HISTÓRIA DO NORDESTE indicam que Metódio Rodrigues Gaia nasceu em 1830, em Santana do Ipanema, Alagoas e morreu na mesma cidade. Era casado com Virgulina Augusta de Albuquerque Mello, nascida em 1835, em Marechal Deodoro, Alagoas, e morreu em 1900 no mesmo lugar. Foram pais do Coronel Eneas Augusto Rodrigues de Araújo, também nascido em Santana do Ipanema em 23 de setembro de 1856 e morreu em 05 de junho de 1914 em Garanhuns Pernambuco.

Na minha avaliação, após vários caminhos percorridos, entendo que a fonte oficial encontrada, que justifica o ponto inicial da história, pode ser comprovada na Escritura de Compra e Venda da Fazenda Picada, adquirida por Martinho Vieira Rego e sua mulher Ana Tereza Rodrigues, dos proprietários João Carlos de Melo e a mulher Maria de Lima, em 19 de março de 1771. O negócio foi concretizado pelo preço de trezentos mil reis, pelas terras, e dois mil reis por cada cabeça de gado. O documento original da referida escritura se encontra no acervo histórico do Sr. Ademar Medeiros, no Poço das Trincheiras-AL, segundo se comenta. Essa assertiva foi ratificada na crônica intitulada “Há Duzentos Anos Já Eram Vendidas Terras na Região De Santana do Ipanema”, publicada no Diário de Pernambuco, de 19 de março de 1971, de autoria de Tadeu Rocha (15.02.1916/01.11.1994) – santanense radicado em Recife – advogado, jornalista, escritor e historiador, fiho do Coronel Manoel Rodrigues da Rocha (1857/1920) e de Maria Izabel Gonçalves Rocha (1876/1966).

Inclino-me a crer que o maior debate sobre nosso fundador está inserido no capítulo 8 – Ecos do Passado – do livro Alagoas Na Idade Mídia, do competente comunicador santanense José Marques de Melo – primeiro doutor em jornalismo de nosso país – Professor Emérito da Universidade de São Paulo, Diretor da Cátedra Unesco/Unesp de Comunicação e Doutor Honoris Causa da Universidade Federal de Alagoas-UFAL. Naquela reunião, onde se pronunciaram nossos maiores comunicadores e historiadores – autênticos formadores de opinião – as questões levantadas não levaram à conclusão esperada, na minha modesta forma de pensar.

Atrevo-me a mencionar uma indagação registrada, no próprio livro, pelo escritor Djalma de Melo Carvalho ao já citado santanense Tadeu Rocha: “Para elucidar a questão, o jornalista Djalma de Melo Carvalho, em 26.01.1974, escreve a Tadeu, argumentando que antes da chegada do franciscano já existia no local um arraial habitado por “mestiços”. E continuou: “será que o fazendeiro nominado pelo historiador religioso não seria Martinho Vieira Rego, detentor da escritura de propriedade da terra, lavrada no dia 19.03.1771?” A resposta dada pelo consultado, foi muito controversa e inconclusiva, ao meu sentir. Aconselho aos interessados a promoverem a leitura do livro citado e estabelecerem suas próprias conclusões.

Sempre respeitando qualquer opinião adversa, recentemente foi constatada mais uma evidência acerca da fundação de Santana do Ipanema. Refiro-me à publicação da crônica “Festa da Juventude: a origem”, elaborada por nosso historiador e confrade João Neto Félix Mendes – por mim cognominado de Joãozinho de Liou – sobre a 1a Festa da Juventude santanense, realizada em 19.07.1959. Naquela oportunidade, o Governador Geraldo Bulhões, na época um brilhante acadêmico de direito, fez seu pronunciamento manifestando uma “saudação à juventude da terra de Martinho Vieira Rego”.

Afastando qualquer hipótese de tentar posar como senhor da verdade, cabe a mim afirmar que o curso da história é livre e o caminho está aberto para que, cada um, promova suas pesquisas e alimente sua própria conclusão.

Recife, 30 de setembro de 2025