(Afábula que Esopo não perdeu nada por não tê-la escrito)

Um Pintassilgo alçou voo de seu ninho na copa de uma catingueira com o propósito de emigrar do Nordeste para o Sul do Reino Unido do Pau-Brasilis, em busca de farinha, xerém ou, com muita sorte, alpiste — todos escassos devido à seca que castigava sua região de origem.

Chegando à maior cidade do país, uma das maiores do mundo, o Pintassilgo notou que os pardais locais haviam se adaptado aos costumes da vida urbana e conseguiam sobreviver, embora empregando artifícios pouco convencionais para sua espécie.

No princípio, o Pintassilgo de arribação decidiu se comportar como os pardais urbanos, fazendo malabarismo nos faróis de trânsito, capturando insetos e catando migalhas de pão que escapavam dos olhares e bicos dos espertos pardais.

Certo dia, o Pintassilgo pegou carona numa corrente de ar poluído e foi parar numa cidade portuária no litoral daquele mesmo estado. Foi lá que ele, sem querer, comeu uma isca de polvo jogada à entrada de um restaurante especializado em frutos do mar. O polvo estava estragado, mas, sabe-se lá por que cargas d’água, o alimento provocou uma reação no seu organismo, gerando um fenômeno nunca antes detectado pela ciência. Deu-se então um processo metamórfico, e o raquítico Pintassilgo retirante da seca se transformou numa águia.

A few years later... ou, como diria Machado, Alguns anos mais tarde…
Naquela ocasião, a fauna do Reino Unido do Pau-Brasilis estava sendo liderada por um Bode Condottiere, espécie originária de Nitroglicerina Dourada. Porém, na verdade das ilusões, aquele animal bizarro não passava de uma mera Borboleta Peçonhenta.

O Pintassilgo, agora transformado em Águia, tornou-se líder dos pardais e, encabeçando movimento revolucionário nunca antes exitoso naquele país, defenestrou o Bode Condottiere e assumiu os destinos de todo o bioma catingueiro.

O aventureiro Bode Condottiere havia deixado a nação nordestina no mais lamentável estado de penúria, nunca antes registrado pela História, submisso aos ditames da FMI (Fauna Mamífera Internacional) e empobrecido pela pilhagem a que os comparsas autóctones se aventuraram durante muitos anos, saqueando os ninhos das espécies mais desprotegidas e vendendo quase todo o patrimônio do Reino a preço de banana-d’água em fim de feira, a hora da xepa.

Durante sua liderança geral, o Pintassilgo Aquilino havia conseguido resgatar da miséria boa parte dos pardais, até prometera construir um milhão de novos e dignos ninhos, onde eles pudessem se reproduzir e criar seus filhotes com dignidade.

O invejoso Bode Condottiere foi relegado ao ostracismo a que os líderes corruptos devem ser abandonados, sem prejuízo das ações penais às quais as leis da natureza pudessem submetê-los. Porém... eis que o empalhado Bode Condottiere sai de sua alcova e, com a ajuda de um bando de urubus malandros, investe em revoada contra a liderança democrática do Pintassilgo Aquilino.

Contudo, por onde o Bode Condottiere passava, toda a fauna se manifestava em retumbante protesto:

– Pipipipipi... Pirata! – piavam os pardais.

– Corru... corru... corru... Corrupto! – arrulhavam os pombos.

...

Moral da história nunca antes moralizada:
Quem tem telhado de vidro pode até jogar titica nos outros; mas pedra, jamais!


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Fernando Soares Campos é psicanalista e escritor, autor de Adeildo Nepomuceno Marques – Um carismático líder sertanejo, em parceria com seu irmão Sérgio Soares de Campos. Fernando também assina três outros livros de autoria solo: Deus e o Universo Holográfico é o mais recente, publicado pela Editora SWA, Santana do Ipanema-AL.